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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Em Memória de JF


Já fazia muito tempo que ela chorava assim, tão de repente.
Desde que tudo aquilo tivera início, alguns anos antes ela já sabia em
que buraco estava se metendo.
Buraco? Talvez esse não fosse o melhor termo, mas foi o primeiro que
lhe veio em mente.
É muito complicado viver nesse mundo de gigantes quando não se tem
muito mais de um metro e sessenta.
As coisas costumam tomar rumos que nos fogem o controle algumas vezes,
isso em todos os sentidos da vida. O problema com ela é que ela nunca
tivera controle nem sobre a própria respiração, agora então, sentia-se
completamente desamparada.
Não saberia descrever se era tristeza ou algum vestígio de orgulho
ferido. Ela gostava de acreditar que era arrependimento, mas no fundo
sabia que não era.
Sim, admitia que muitas vezes sentira-se tremendamente traída consigo
mesma por ter decidido ficar quando teve a oportunidade de partir, mas
ela sabia que não trocaria tudo o que tinha construído, tudo o que
ruíra e tudo o que vinha ainda acontecendo pela incerteza do novo e do
inesperado, apesar de ser bem típico de sua personalidade.
O que acontecia com ela era que sua vida que antes fora um universo de
expectativas, sons mirabolantes e efeitos visuais multicoloridos agora
entoava um marasmo que parecia não ter fim, uma escolha feita por ela
mesma.
Talvez fosse de certo um rancorzinho acinzentado que lhe apertava o
peito, quando temperado com saudade e um pouquinho de melancolia,
resultava naquele pranto repentino.
Ela tinha consciência de todos os erros e falhas que cometera e não
admitira, não por falta de humildade, mas por lentidão em
processá-los, em identificá-los logo de cara. Agora, já era um pouco
tarde.
Ela era risonha, festeira, piadista e bem humorada, um pouco lasciva e
venenosa, azeda por assim dizer, mas de toda forma muito doce e
gentil. Ela representava uma fortaleza em relação à opinião alheia,
era marcante, histérica, memorável e parecia entender tudo e todos.
Era enérgica em seus comentários e cautelosa em determinadas
situações. Pecava pelo exagero, mas estava sempre tentando se redimir
de alguma forma, com algum gesto ou alguma preocupação desnecessária.
Não era uma mulher feia, e nem podia dizer-se tão bonita, o que
transformava-a num projeto admirável de ser humano era que tinha tudo
isso já descrito (e muito mais) elevado na quarta potência e ainda
assim dotados de uma espontaneidade que não existe mais nas pessoas de
hoje em dia.
O que ninguém sabia, ninguém, nem o amigo mais íntimo, mais próximo e
mais verdadeiro de ela, era que no fundo, bem lá no fundo mesmo,
naquele lugarzinho perto da Alma, ela era triste e solitária.
Ela se sentia inferior a tantas coisas e tanta gente que se um dia ela
contasse ao mundo, o mundo acabaria em milhões de gargalhadas. Ela se
sentia insegura em muitas situações mas nunca deixara transparecer,
nunca.
Ela se via sozinha no mundo, pequena e perdida, como um pássaro que
nascera sem asas ou um peixe que não possuía guelras: meio fora do seu
meio, sabe?
E ainda por cima, ela fingia não saber por que é que se sentia assim
desde sempre e sempre pensara não saber por quê.
Ela achava bonito ser triste, achava bonito esconder um segredo
dilacerante do mundo e sofrer vagarosa e silenciosamente, sofrer em
metáforas.
Ela era quase um devaneio de Clarice Lispector, misturado a algumas obras de shakespeare...
Na verdade, a personalidade marcante dela só se fazia existir em
função dessa infelicidade oculta, que a devorava dia após dia numa
luta incessante dentro dela mesma pra apagar e acender o brilho que na
verdade, nem existia, era só poesia e divagação...

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