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quinta-feira, 28 de abril de 2011

Um Simples Toque


Agnes e Erick

Era fim de tarde, eu estava decidido a encerrar tudo aquilo, não suportaria nem mais um minuto com todas aquelas lembranças. Juntei tudo como pude, separando as coisas mais importantes daquelas que poderiam estar soltas. Coloquei tudo dentro de uma caixa e arrumei para que nada pudesse ser quebrado ou perdido no caminho, apesar de saber que dentro de uma caixa nada daquilo poderia ser perdido ou quebrado. Acho que estava fazendo aquilo mais para provar que eu era capaz de me concertar sozinho, de encontrar minha plenitude e saber se eu era tão forte quanto costumava dizer e transparecer pelo mundo a fora.

Ao terminar de arrumar tudo não pude deixar de sentir aquela costumeira sensação de 'lar', de estar indo para o lugar mais perigosamente seguro de que eu tinha lembrança. Só que dessa vez eu não teria aquele abraço confortante, aquelas palavras conselheiras e tão pouco aquele olhar pacifico, com o qual eu encontrava paz em meu mundo de guerra. Diferente de antes, dessa vez eu tinha apenas um coração partido, uma caixa cheia de lembranças e uma expressão indecifrável no rosto. Sem esquecer da esperança que eu mantinha de que meus olhos não entregassem que por trás de toda aquela frieza, existia alguém encolhido em um canto escuro do quarto chorando e gritando desesperadamente para que eu voltasse atrás naquela decisão.

Peguei meu casaco, minhas chaves e minha carteira, segurei a caixa com um dos braços, mantendo-a próxima a lateral do meu corpo e segui meu caminho até a casa de Agnes. Como sua casa era a poucos quarteirões da minha, decidi ir caminhando. Fazia frio aquela tarde, um típico inverno se aproximava, algo raro por essas bandas da cidade, mas em um dia como este eu não acharia nada estranho ou incomum, eu não queria pensar em nada. Desejava apenas me concentrar no que eu deveria fazer, em como eu deveria me comportar e em como eu tinha ensaiado aquele momento mil vezes a cada segundo desde a decisão.

Durante o caminho era quase impossível esquecer de cada momento desde o inicio, tudo parecia um filme e eu sentia que talvez aquilo fosse um sinal de que a morte se aproximava, não literalmente obvio, então eu parei de tentar controlar meus pensamentos e deixei tudo fluir e ir sendo lembrado até que nada mais existisse para ser lembrado. Quem sabe assim não pudesse estar apagando e formatando todas aquelas memórias, todos aqueles sentimentos irracionais e inúteis.
Ao chegar, respirei fundo e rapidamente enquanto discava seu numero, eu ensaiei e lembrei mais uma vez de como eu deveria me portar.

Antes que eu pudesse continuar com todo aquele bla bla bla interno, ela atendeu ao telefone com uma voz de surpresa e indiferença, afinal não imaginada nada do que eu estivera planejando a dias, tão pouco poderia imaginar que eu estava do lado de fora de sua casa, pronto para encerrar qualquer vinculo. Conversei e fiz perguntas obvias sobre ela estar ou não em casa, se ela poderia atender ao portão e conclui dizendo que estava lá e precisava apenas deixar algo com ela. De inicio ela relutou um pouco para ir ou não, sem dizer se tudo bem ou não, mas acabou indo falar comigo.

Observei seus passos desde sua casa até onde eu me encontrava, seus olhos me fitavam como quem tentava entender o que estava acontecendo antes mesmo de precisar ouvir qualquer coisa. Ao mesmo tempo sua expressão era de uma total irritabilidade e descrença, como se estivesse muito assustada e surpresa com o fato de eu estar ali mesmo, mas no geral a sensação era de total indiferença.

Ela abriu o portão, mas enquanto destrancava me olhava nos olhos como se buscasse no fundo da minha alma o que aquilo realmente significava, olhou para a caixa-pacote em baixo do meu braço e finalmente ao abrir, ao invés de um convite para entrar, ela se posicionou do lado de fora fechando o portão atrás de si.
Eu perguntei como ela estava e ela respondeu que tudo estava bem, fez a mesma pergunta de forma curta e em seguida disse:
- Não sei o que quer aqui, também não sei se estou fazendo bem em vir aqui e dar ideia para essa sua maluquice, mas ainda sim quero deixar claro que só estou aqui te atendendo, porque sei que não iria embora e isso poderia me trazer maiores problemas depois.
Disse em um tom seco e rude, como se estivesse falando com um estranho qualquer ou marginal com o qual ela não deveria se comunicar. Sentia-me como um doente em quarentena com o qual ninguém deveria chegar perto para não se contaminar, mas engoli e ignorei aquelas palavras e apenas olhei para ela, talvez buscando a verdadeira Agnes que um dia eu havia conhecido e pela qual tanto amei e lutei. Mas eu não a encontrava, tudo o que eu via era aquele esboço físico de quem um dia ela foi, tudo o que eu enxergava era alguém com um ar pesado ao seu redor, agindo como uma pessoa soberba e mesquinha. Tudo o que eu conseguia encontrar era egoísmo e rancor naqueles negros olhos, sem brilho, sem vida, sem Agnes.

-Não tomarei o seu tempo, tudo o que eu preciso é apenas dizer que se você diz, como sempre diz e afirma, que eu não deveria mais lutar por você, acreditar em nós e que eu deveria encontrar a minha paz... Bem se eu preciso seguir a minha vida e não mais interferir na sua falando sobre o quanto sinto sua falta e a amo. – segurei com ambas as mãos a caixa e estendi para que ela pegasse – Se eu devo fazer isso tudo, então eu não devo ter nada que me lembre você. Para eu aceitar que você não mais pode estar comigo, eu preciso acreditar fielmente que você nunca existiu ou que você está morta. E como ainda sim conviver com a sua lembrança me trás dor e saudades, eu terei que fingir que você nunca existiu e que você morreu, pelo menos iludir a mim e ao meu coração de que isso aconteceu. E se um dia eu te ver por ai, não precisa me cumprimentar, pois eu direi a mim mesma que fantasmas não existem, são coisas da minha cabeça.

Ela segurou a caixa e puxou das minhas mãos, ao fazer isso reparou que eu estava com meu casaco manchado e que aquela mancha ainda estava fresca, como se tivesse sido causada há pouco tempo. Ela abriu o portão, colocou a caixa do lado de dentro e voltou com uma expressão diferente, todo aquele ar de indiferença deu lugar a um olhar preocupado.
Então ela disse: - Não acredito que você fez isso por aquela garota, ela nem se quer é sua namorada de verdade. Nunca desconte em você, a dor que uma idiota causou no seu coração. Ela não merece nem as suas lágrimas, imagina o sangue das tuas veias...
Então ela segurou meus pulsos levantando minhas mangas e ficou observando meus braços, ligeiramente disfarçando a angustia e indignação com o que esta vendo. Ela podia ser o motivo daquilo tudo, mas não fazia ideia disto, ou talvez fizesse, mas se recusasse a acreditar ou aceitar.

Sem muita demora, após um breve minuto de silêncio, eu respondi de forma prática: - Você não sabe do que está falando, ou você sabe? Eu ainda me recuso a crer que seja tão tragicamente cega e tola.
Rir de uma forma descrente e enrustida, como se estivesse rindo apenas para mim e não para que ela também pudesse ouvir.

Impaciente e com um tom de irritabilidade, ela respondeu: - Você não deveria dizer nada disso, você não está em posição de dizer o que é certo ou errado, o que é coerente ou incoerente. Você nem se quer está sabendo se cuidar, como poderia saber se alguém está ou não correto?!

Sem permitir qualquer espaço para outro julgamento ou discussão, eu respondi:
- Não julgue uma pessoa que esteve além dos limites de um ser humano, se essa pessoa fez algo que não devia, ela devia ter um bom motivo pra isso. E sabe talvez ela esconda coisas que nem mesmo Deus conseguiria traduzir ou suportar... - apos uma pausa eu completei-... Eu só me arrependo, por ainda agora, me irritar mais pelo fato de você continuar cega e não querendo aceitar ou entender o que esta acontecendo aqui. Do que com o fato de que você estar agindo como se isso importasse pra você, enquanto diariamente é você a responsável por 90% da sensação de nada, ou lixo, que eu fico me sentindo. Mas infelizmente dentro do meu coração você nunca será uma idiota, não importa o que aconteça, não importa o que você diga. Só que, desta vez eu realmente passei dos meus limites, agora eu preciso apenas seguir. Encontrar minha paz e mudar um pouco como eu sou, afinal eu nunca mudo não é mesmo?! De qualquer forma agora sei por que não demos certo, você sempre confundia e embaralhava o que eu dizia, nunca conseguia enxergar o que realmente significava aquilo e não sei se um dia conseguirá. Espero que um dia compreenda pelo seu próprio bem...

Disse com certa dor enquanto olhava em seus olhos, mas ao mesmo tempo com um ar frio, seco e indecifrável. Então olhando por de trás dela, ao perceber que alguém estava nos observando, eu puxei meus braços, me soltando daquela que um dia fora meu grande amor, dei um ultimo beijo em sua testa como costumava fazer a tempos e em seguida me afastei um pouco, deixando apenas o silêncio e o risco de sofrer com o peso que a realidade e a verdade nos trouxe, desviei um pouco o olhar e fui embora dizendo: -Adeus. e nada mais. Estava decidido a nunca mais voltar, insistindo que aquilo era o fim, que ela estava morta agora e que eu nunca mais deveria falar com ela, enquanto eu repetia em minha mente: "Fantasmas não existem!" por inúmeras vezes. Ouvi quase que um sussurro de algo semelhante a um pedido de perdão. De qualquer forma eu estava indo, estava indo como um soldado que vai para a guerra e sabe que não vai voltar, e realmente eu estava indo pra não mais voltar...
(...)

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